Reinaldo Ferreira



Nasceu: 1897-08-10 · Morreu: 1935-10-04

Local de nascimento: Lisboa
Local de óbito: Lisboa
Nacionalidade: Português
Dados adicionais:

Jornalista, Escritor, Assistente de realização, Argumentista, Produtor e Realizador
“Imaginou entrevistas com Mata-Hari e Conan Doyle, enviou reportagens da “Rússia dos sovietes” sem nunca lá ter posto os pés, criou um dos primeiros detectives de gabinete da literatura policial, deu forma a uma galeria interminável de heróis de folhetim, fundou jornais, realizou filmes, previu, ao jeito de Júlio Verne, como seriam Lisboa e o Porto no ano 2000. Reinaldo Ferreira. R de realidade e F de ficção. Nasceu há um século. Os 38 anos da sua breve passagem pelo mundo foram vividos à beira do delírio, com a morfina a ajudar. Um tipógrafo distraído inventou a alcunha que o iria consagrar: Repórter X. (…)
Ainda hoje será difícil determinar todas as suas “reinaldices”, para usar a expressão posta a correr pelos que lhe iam desmascarando as farsas. Ele, porventura consciente de que essa pulsão para confundir factos e ficções era, afinal, o sinal distintivo do seu génio peculiar, retorquia com um neologismo da sua própria lavra: “reporterxizar”.
“Em 1917, com 19 anos, (…) arrepia os lisboetas com o crime, tão tenebroso quanto inexistente, da Rua Saraiva de Carvalho, que metia malfeitores embuçados, um presumível cadáver e um vilão, apropriadamente designado como “o homem dos olhos tortos”. A história veio a lume no jornal “O Século”, em forma de cartas enviadas “por um desconhecido”, que se assinava Gil Goes. E a coisa atingiu tais proporções que o jornal achou prudente revelar o embuste. Mas o folhetim, finalmente assumido como ficção, prosseguiu até ao seu desenlace, e não tardou a transformar-se em livro – “O Mistério da Rua Saraiva de Carvalho”. Em 1918, Leitão de Barros tentou fazer a adaptação daquele livro para o cinema, dando-lhe o título de «O Homem dos Olhos Tortos». Desse filme inacabado, o ANIM conserva ainda mil metros de película (que tive oportunidade de visionar).
“A encerrar o ano de 1918, “ recolhe” as últimas palavras do presidente Sidónio Pais, assassinado na Estação do Rossio: “Morro eu, mas salva-se a Pátria”. A verdade é que não presenciou o sucedido e, ao que parece, o estadista tombou sem ter tido tempo de dizer seja o que for”.
Esta “original” carreira de jornalista teve início por volta dos 17 anos, no diário “A Capital”.
Escreveu também as seguintes peças para teatro: “A Dama do Sud”, “O homem da cabeleira branca”, “1808” (drama),” O homem que mudou de cor” e “O Táxi 9297”, que viria a adaptar e dirigir como realizador de cinema, em 1927.
Em 1919 fixou-se em Paris onde trabalhou no “Le Soir”, no “Matin” e dirigiu a Agência Americana.
Em finais de 1921 já se encontrava a residir em Barcelona e na Catalunha terá dado início à sua actividade cinematográfica, como assistente do realizador Aurélio Sidney.
De um primeiro contacto com Leitão de Barros, em 1918, e da experiência como assistente de realização em Espanha, tudo isto associado à grande facilidade na escrita de folhetins e novelas policiais, terá ficado traçado o caminho para os filmes que assinou como argumentista, produtor e realizador, entre 1923 e 1927, ano de febril e exuberante actividade. Assim, nesse ano, formou, em Lisboa, a empresa produtora Repórter X-Filme tendo produzido e realizado quatro filmes de enfiada.
Entre 1923 e 1927, Reinaldo Ferreira reparte a sua imaginação irrequieta pela França, Espanha e Portugal. Em 1926, escreve Luís Miguel Queirós, Reinaldo “está de novo em Portugal, fixando-se agora no Porto e escrevendo simultaneamente para o ABC e para “O Primeiro de Janeiro”. É em Março desse ano que se dá em Lisboa o célebre assassinato da corista Maria Alves, estrangulada num táxi e lançada morta para a sarjeta. Baseando-se em anteriores crimes congéneres e na intriga de um romance espanhol, Reinaldo aventa nos jornais que o culpado é o ex-empresário da vítima, Augusto Gomes. E o espantoso é que acerta.
Aproveitando mais este sucesso do então já famoso Repórter X, o “Janeiro” publica-lhe o folhetim “O Táxi nº 2927”, que irá ser publicado em livro, levado ao palco e convertido em filme, que o próprio Reinaldo Ferreira dirigirá no Porto, nos estúdios da falida Invicta Film, com Alves da Costa no papel do protagonista. Já em 1924 vira adaptada ao cinema, em Espanha, a novela “El Botones del Ritz” (“O Groom do Ritz”)”.
No Porto, em finais de 1932, Reinaldo Ferreira é internado para uma cura de desintoxicação. Nas páginas do “Repórter X” confessa publicamente a sua dependência da morfina, testemunho que completa, em jeito de redenção, nas “Memórias de um ex-morfinómano”. Morre em 1935 com apenas 38 anos de idade. Ponto final inédito e extraordinário para um corpo algo fora do seu tempo. Um facto que passaria totalmente despercebido nas cidades de Lisboa ou do Porto do ano 2000, como um pormenor curioso que tivesse escapado ao cenário futurista e visionário que a sua imaginação desvairada se entreteve a antecipar.
Para a história do cinema português deixa meia dúzia de filmes. Coisa pouca, poderá dizer-se: Mas deixou ainda um filho poeta que, para nosso deslumbramento, diz: Mínimo sou, / Mas quando ao Nada empresto / A minha elementar realidade, / O Nada é só o resto.
“Apesar da dispersão das actividades de Reinaldo, devemos recordar que foi ele que, por volta de 1926 ou 27, iniciou entre nós, no Domingo Ilustrado, a crítica de cinema, pela primeira vez feita com um respeito e uma atenção idênticos aos tidos para com as peças de teatro – actividade que, por essa mesma altura, depois, ocupou Carlos Miranda, Brum do Canto e Avelino de Almeida. Lopes Ribeiro surge também a fazê-la em tom alegre, nas colunas do Sempre Fixe [Nobre, s.d.: 93].
Roberto Nobre, guardando as devidas distâncias, compara Reinaldo Ferreira a Orson Welles pelo temperamento audaz e imaginoso e por ambos terem procurado o sensacionalismo sem o menor preconceito intelectual nos jornais, no teatro, na rádio e no cinema. A grande diferença terá residido nas escolhas estéticas que Welles soube fazer, demarcando-se do cinema do seu tempo, da “banalidade trivial hollywoodesca”. Reinaldo Ferreira, contrariando o modelo “rançoso” herdado da Invicta e da Lusitânia, “pensou opor-lhes uma actualização à americana, um cinema que julgou desempoeirado e desembaraçado, joeirado da literatice do cinema francês e italiano de então, directo às contemporâneas predilecções do grande público, aquilo que, no eufemismo, se chamava um «cinema eficiente» ”. Ora, foi justamente contra este tipo de «cinema eficiente» que se rebelou Orson Welles. Trata-se de um desfasamento significativo de natureza cultural (que metaforicamente se pode ler na diferença ditada pelas coordenadas geográficas: há muitos “fusos horários” a separá-los).
Contudo, e se atendermos à realidade do cinema português dos anos 20, temos que concordar com Roberto Nobre que, “na sua incursão no cinema, Reinaldo soube encontrar aquele ângulo em que a jovem arte não tinha sido explorada entre nós e para o qual o seu temperamento de autor parecia predispô-lo exemplarmente: o género policial, ágil, de narração corrente, sem afectação estética. Seria directo, simples, com economia de meios, tanto artísticos como financeiros” [Nobre, s.d.: 90]. Reinaldo terá sido, então, uma versão B de Welles, para português ver.
A grande questão que aqui se coloca é a de que, à medida que esse «cinema eficiente» vai alcançando uma posição hegemónica nos circuitos de distribuição e exibição do mercado português, ele vai agindo, eficazmente, na formação do gosto dos espectadores, dos produtores, dos actores e dos realizadores.
Reinaldo Ferreira tinha dado apenas o pontapé de saída.