João Canijo



Nome completo: João Manuel Altavilla Canijo

Nasceu: 1957-12-10

Local de nascimento: Porto
Nacionalidade: Português
Sítio internet: http://www.ulusofona.pt/lessons/joao-canijo
Dados adicionais:

Realizador. Encenador
Foi estudante de História, na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, entre 1978 e 1980, e entre 1980 e 1985, iniciou-se no cinema, tendo sido assistente de realização de Manoel de Oliveira, Wim Wenders, Alain Tanner ou Werner Schroeter. Três Menos Eu (1988) foi a sua primeira longa-metragem, entretanto seleccionada para o Festival de Roterdão daquele ano. Trabalhou esporadicamente como encenador, tendo dirigido peças de David Mamet e Eugene O'Neill.

TELEVISÃO - séries:
1990 - Alentejo sem Lei
1992 - Cluedo
1996 - Sai da minha vida
TEATRO - encenações:
1987 - Jogos de Praia de E. A. Whitehead
1988 - Crimes do Coração de Beth Henley
1989 - Quem pode pode de David Mamet
1994 - Confissões ao Luar de Eugene O’Neill
1995 - "Rosa, Minha Querida Rosa" de Josette Boulva/Marie Gatard
1996 - "Medeia, Vozes" de Christa Wolf

ENTREVISTA
a propósito do filme "Ganhar a Vida"
- Como surgiu a ideia de fazer "Ganhar a Vida"?
Digamos que os "Sapatos Pretos" serviram como um rascunho ou um esboço deste filme, no sentido em que tentei explorar uma espécie de profundeza sólida da alma portuguesa. Para ir ainda mais longe, pensei ainda que essa solidez podia ser potenciada num sítio em que os portugueses vivessem num mundo fechado, sem contacto com o exterior, como acontece em França, com os imigrantes. Foi desta ideia que parti juntamente com o facto de querer, com o Pierre Hodgson, fazer um filme para a Rita Blanco.
- Que características mais o impressionaram nesta comunidade imigrante e que tentou imprimir no filme?
As características a priori são as de uma comunidade fechada sobre si mesma, sem relação nem com o país onde vive nem com o país que deixou. As referências que tem são a de um lugar imaginado - um país pequenino, salazarento e bolorento -, e as únicas coisas que a ligam a esse país são os sinais exteriores dessa propaganda salazarista: folclore, missa e futebol.
Depois, aquilo que verifiquei foi que se aquelas pessoas saíram alguma razão tinham e percebi que se vivem "portuguêsmente", no pior sentido, são também o que de melhor há nos portugueses. São os únicos que conheci que têm uma necessidade de se dar, e de dar, e uma disponibilidade para comunicar como cá não há. E isso fez com que o filme fosse mudando à medida que ia sendo feito.
- E como é que se traduz essa mudança no filme?
Isso sente-se através da personagem da Rita.
- Conheceu alguém como a Cidália (personagem interpretada por Rita Blanco)?
Conheci uma pessoa muito parecida com ela e que foi uma grande fonte de inspiração para a personagem e que é uma das actrizes do filme (a Adélia Baltazar faz de Fernanda). Era directora de um grupo de teatro amador em França e a relação dela com a comunidade portuguesa era exactamente a mesma. Ela, entretanto, voltou para Portugal.
- Que ligação é que esta comunidade tem com Portugal?
Nenhuma. Durante a rodagem do filme, Portugal estava passar por uma fase de expansão económica (um suposto bem-estar artificial), e havia uma grande admiração pela projecção que estava a ter em França. Falava-se muito da Expo’98, todos queriam vir visitá-la, e havia muitas pessoas da segunda geração de imigrantes (que vão dos 18 aos 30 anos) que queriam voltar para Portugal. Os que tentaram, evidentemente que regressaram a França. O conhecimento que têm de Portugal é o do rancho folclórico, do futebol e da aldeia deles que já não existe, porque as aldeias estão desertas.
- Então, e que relação é que estabelecem com França, o país de acolhimento?
Fizeram o liceu em França mas, na sua grande maioria, estabelecem apenas relações com os outros portugueses. Como depois, normalmente, seguem a profissão dos pais, a relação que têm com a França é extremamente limitada. Os que têm relações mais conflituosas acabam por sair da comunidade. Como aconteceu com o actor do filme, o Olivier Leite, que é músico. Está com uma certa projecção: o grupo alcançou alguma popularidade lá em França, mas não é de todo representativo dos miúdos da idade dele.
- Como reagiram ao facto de estarem a ser retratados?
Bem, bem! Essa é a parte positiva e que permite alguma esperança. Tinham uma grande disponibilidade em relação ao filme e a um projecto português feito em França, e que em Portugal nunca senti: uma capacidade de sacrifício, generosidade e participação muito comoventes. O assunto do filme (a lei do silêncio e da não-participação), curiosamente, provocava reacções positivas. E é aquilo que eu digo: embora eles vivam numa bola de celofane, têm uma disponibilidade para a participação cívica muito maior que aqui.
- De que forma é que eles colaboraram na construção do filme?
De todas as formas. Contaram-me as suas histórias todas, não me esconderam nada e a sua disponibilidade física para participarem como figurantes mal pagos foi total. O projecto teórico do filme era uma crítica aos portugueses em França e eles aderiram sem reservas a essa crítica a si mesmos.
- Como descobriu o Olivier Leite?
Foi através de um casting em que havia trinta miúdos daquela idade e o Olivier ficou entre os cinco ou seis da selecção que nós fizemos. Depois, levámos lá a Rita para contracenar com eles. Eu tinha preparado uma música "pimba" para eles dançarem com a Rita e não lhes tinha dito nada e o Olivier foi o único que dançou sem olhar para ela, à portuguesa. E escolhemo-lo imediatamente. Os portugueses são incapazes de olhar para os outros e olhar para si próprios.
- De que forma é que o filme evoluiu e mudou, desde o projecto inicial, até ao resultado final?
O projecto, à partida, era quase um manifesto anti-mesquinhez e provincianismo português, mas depois acho que acabou por ser uma homenagem muito sentida à comunidade portuguesa imigrante em França. Ou seja, passou de uma visão negativa e quase odiosa sobre uma comunidade, para ser uma visão comovida e terna sobre essa mesma comunidade.
- E o que é que o levou a essa mudança de atitude?
Eles, porque apesar de viverem naquela bola de celofane e de terem aquele fundo português que não lhes permite olhar nem para eles nem para os outros, são o melhor que os portugueses têm: uma generosidade e uma coragem únicas.
O filme passou de um olhar sobre a massa para um olhar sobre os indivíduos, e estes são forçosamente comoventes.
- O filme, e nomeadamente a personagem da Cidália, foi escrito a pensar na Rita Blanco?
Desde o início. Quisemos escrever uma personagem para ela.
- A Rita é uma actriz constante na sua filmografia. Só não entrou em "Sapatos Pretos".
É como diz o Pierre Hodgson, quando se vê a Rita a representar num filme percebe-se que ela joga na primeira divisão. Se este filme é uma homenagem comovida aos imigrantes, se tem alguma dignidade, isso deve-se à qualidade do trabalho da Rita. Ela conseguiu aglutinar a parte positiva e corajosa da comunidade portuguesa em França.
- "Ganhar a Vida" foi rodado em vídeo. Porquê a preferência por este suporte?
Porque o vídeo me permite fazer um trabalho que com a película não podia. Tem duas vantagens fundamentais: por um lado, o controlo do tempo. Quando imaginamos um plano ou uma cena, não temos que nos preocupar com a duração em termos de gasto de película. Não temos limites de custos. Por outro lado, o vídeo permite uma manipulação em pós-produção que a película não permite: escolher a cor e o tom do filme, por exemplo.
- De que cor é "Ganhar a Vida"?
É azul. E frio e cinzento, sem sol. No "Sapatos Pretos", que era uma história incrível, o filme era kitsch e gore, excessivo em todos os sentidos.
- A cor funciona como um elemento central do seu trabalho?
É mais o tom do que a cor. A ideia para este filme era torná-lo pesado, mantê-lo delicado e sem excessos chocantes de cor.
- O que é que gosta de explorar no seu cinema, a nível técnico?
É mais ao nível da linguagem cinematográfica. É como caminhar para a abstracção, de forma a chegar mais perto de um caminho que a pintura traçou. É passar do figurativo para a abstracção do Matisse, que é uma referência neste momento, no sentido em que o cinema não tem que explicar aquilo que está a mostrar. Tem que o dar, composto formalmente. A função do realizador é fornecer fragmentos importantes do que se está a passar.
- De que forma é que esses fragmentos são mostrados em "Ganhar a Vida"?
O que me interessou no "Ganhar a Vida" foi tentar fazer isso através da montagem. É aí que se pode dar a fragmentação e é aí que se pode dar a abstracção.
- E como é que esse interesse pela abstracção evoluiu ao longo dos seus filmes?
No primeiro filme não havia linguagem nenhuma, no segundo já havia um estudo de cor muito consciente. Nos "Sapatos Pretos" percebi o que queria fazer e neste cheguei mais perto: sugerir, não mostrando, através da montagem. Não é esconder de uma maneira contemplativa, mas escondê-la de uma maneira activa fragmentando, cortando e retalhando a acção completamente.
[Fonte: Atalanta Filmes]

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